Redes sociais: TikTok como um problema global
De “dancinhas” a instrumento para fomentar a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, o aplicativo TikTok, pertencente à empresa chinesa ByteDance, viralizou no mundo durante a pandemia de Covid-19 e passou a influenciar, dentre outros, temas das relações internacionais. Atualmente as redes sociais constituem-se enquanto palco para discussões sobre assuntos variados e trazem à tona problemas de caráter social, político e econômico. De forma semelhante, Facebook, Twitter e Youtube se demonstraram de suma importância para propagar movimentos que colocam em pauta tais questões, como foi o caso da Primavera Árabe. Contudo, essas redes também são um espaço que deixa as pessoas extremamente vulneráveis, tanto aos governos, quanto aos ataques cibernéticos.
Um dos acontecimentos que gerou mais polêmica em 2020 foi a acusação feita pelo então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que culpou a China de estar roubando os dados dos cidadãos americanos por meio do aplicativo de vídeos de entretenimento – o TikTok (BBC NEWS BRASIL, 2020). Vale lembrar que uma das principais questões que se coloca no século 21 relaciona-se com o que alguns pesquisadores, como o economista César Esperandio em um artigo no Uol Notícias (2020), chamam de Guerra Fria 2.0. Isso seria uma nova versão do conflito entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética. Tal conflito, atualmente, diz respeito à guerra comercial entre a China e os EUA, os quais são os maiores rivais entre si no mercado internacional. Nesse sentido, o ex-presidente americano utilizou da rede social em questão para atacar seu inimigo, tentando banir o aplicativo dos EUA, o que acabou não acontecendo.
De fato, não é nenhuma novidade que as redes sociais manipulam os dados dos seus usuários por meio de algoritmos, a fim de coletar informações estratégicas para que, dentre outros motivos, empresas vendam seus produtos e/ou serviços (EXAME, 2018). Essa pauta ficou bastante evidente com o lançamento do documentário Dilema das Redes Sociais (2020), que explora como as tais redes estão afetando as pessoas e colocando a democracia em xeque. Dessa forma, fica claro que as mídias sociais são capazes de influenciar diversas esferas da sociedade – a política, a econômica, a cultural etc.-, tornando-se ferramenta, inclusive, diplomática, à medida que governantes do mundo inteiro utilizam o Twitter, por exemplo, para manifestar determinada posição com relação à política externa.
Não obstante, as contradições que envolvem as políticas e discursos estadunidenses é uma constante no sistema internacional. Embora possa-se dizer que é legítimo querer proteger a privacidade de seus cidadãos, o TikTok obtém as mesmas informações que aplicativos americanos, como Instagram e Facebook. Este último, por sua vez, já foi alvo de polêmicas com relação a isso. Basta lembrar que o Facebook vendeu dados de seus usuários para a empresa Cambridge Analytica, a qual estava envolvida na campanha eleitoral de Donald Trump (BBC NEWS BRASIL, 2018). Diante disso, o TikTok é um concorrente dos aplicativos americanos de gênero similar e é mais uma forma que esses países, a China e os EUA, têm para se projetar virtualmente no cenário internacional, como consequência, também, da revolução tecnológica globalizada.
Para além do conflito entre os EUA e a China, cabe discutir sobre como as redes sociais, – e aqui destaca-se o Tiktok – enquanto produtos que fazem parte do ciberespaço, podem ser bastante nocivas à privacidade dos indivíduos e como isso é um fenômeno global. O TikTok acrescenta algo a mais nisso à medida que produz o que muitos chamam de “geração TikTok”, ou seja, uma geração de indivíduos, normalmente adolescentes, que passam muitas horas de seu dia, dado o caráter viciante da rede social, vendo vídeos no aplicativo e/ou produzindo esse tipo de conteúdo, o que leva a uma alta exposição de suas imagens e/ou seus dados. De acordo com o especialista em tecnologia Matthew Brennan, em uma entrevista para a BBC NEWS (2020), o constante uso dessa rede social acontece devido à ferramenta de rolagem infinita e ao sofisticado algoritmo que observa o comportamento do usuário no aplicativo. Este exibe os vídeos de acordo com o que cada indivíduo quer de uma forma muito mais rápida do que seus concorrentes, como Instagram e Youtube. Dessa maneira, a coleta de dados e preferências dos usuários é muito mais precisa.
Nesse sentido, sabe-se que os avanços tecnológicos trouxeram diversos benefícios para o desenvolvimento técnico-científico e socioeconômico da sociedade. Contudo, trouxe consigo também problemas que impactam negativamente a vida privada do indivíduo e que, fundamentalmente, adentram campos estratégicos de governos e qualquer tipo de organização. Tais problemas são produzidos por diferentes tipos de atores cujos objetivos variam mas que, essencialmente, buscam informações estratégicas que beneficiam grupos políticos e/ou econômicos. Nesse sentido, tornou-se comum haver preocupações quanto à segurança das pessoas e das instituições que atualmente estão mais conectadas à internet.
Acerca disso, Lobato e Kenkel (2015) apontam que foi a partir de 1990 que se passou a ter mais inquietações com a questão de cibersegurança, uma vez que esta não está mais restrita a um grupo técnico específico e que avanços até então alcançados trouxeram impasses para a sociedade como um todo, a deixando, tanto no âmbito privado como no público, vulnerável aos ciberataques. Tais ataques, embora virtuais, têm grande potencialidade para atingir a esfera material da vida humana e das instituições. Além disso, Lobato e Kenkel destacam ainda que tal ambiente proporciona mais facilidade para criminosos obterem o que desejam, dado que a anonimidade traz segurança ao transgressor e, possivelmente, sua impunidade.
Todo esse debate constitui umas das problemáticas destacadas do documentário Citizenfour (2014), o qual mostra como governo americano atuou de forma ilícita ao controlar informações dos próprios cidadãos e de governos de outros países, o que, fundamentalmente, expõe um debate ético de raízes profundas para os estadunidenses: liberdade. Nesse sentido, a invasão da privacidade dos indivíduos corresponde a uma violação dos direitos de liberdade há muito “conquistados” pelos americanos. Isso evidencia o quão contraditória é a ideia de emancipação e liberdade do povo estadunidense, uma vez que mostra que qualquer cidadão pode ser uma potencial ameaça ao seu país e, portanto, deve ser vigiado e ter todas as suas informações pessoais controladas por uma instituição que tem legitimidade.
Dessa forma, o TikTok é mais uma ferramenta central que traz riscos à privacidade de seus usuários, como destaca a especialista da Associação Data Privacy Brasil, Marina Meira (TECHTUDO, 2020). O aplicativo tem acesso não só às preferências pessoais, como dito anteriormente, mas também à lista de contatos do celular; às informações sobre o sistema operacional, a rede de internet e os seguidores; aos objetos e falas presentes nos vídeos de quem produz conteúdo; à localização e às mensagens diretas no aplicativo (TECHTUDO, 2021). Assim, Meira afirma que as implicações do uso massivo do TikTok deixa as pessoas vulneráveis a ciberataques e pode impedir o desenvolvimento dos usuários mais jovens, uma vez que ficam online por muito mais tempo.
Dessa maneira, com a introdução das redes sociais no cotidiano dos indivíduos, tornou-se mais difícil conter e moderar quais informações e dados estão disponíveis para as instituições governamentais, empresariais ou para criminosos virtuais. O TikTok, enquanto rede social que vem crescendo cada vez mais e que fomenta a exposição dos dados das pessoas, em vista do que foi dito, não tem a responsabilidade adequada para lidar com situações danosas aos seus usuários. Dessa forma, resta refletir quais serão as consequências disso para o futuro, uma vez que esse modelo de entretenimento, ao que tudo indica, veio para ficar.
Autor: Larissa Pavani Santos
Referências:
BBC NEWS BRASIL. Entenda o escândalo de uso político de dados que derrubou o valor do Facebook e colocou na mira autoridades. 2018. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43461751>.
BBC NEWS BRASIL. Por que o governo Trump estuda banir o TikTok dos EUA. 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-53489720>.
BBC NEWS BRASIL. ‘TikTok foi feito para ser viciante’: o homem que investigou as entranhas do aplicativo. 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-55173900>.
EXAME. Veja o que as redes sociais e os buscadores fazem com os dados dos usuários. 2018. Disponível em:< https://exame.com/tecnologia/veja-o-que-as-redes-sociais-e-buscadores-fazem-com-os-dados-dos-usuarios/>.
Lobato, L; Kenkel, K. Discourses of Cyberspace securitization in Brazil and in the United States. Revista Brasileira de Política Internacional, 2015.
TECHTUDO. TikTok é seguro? Entenda como funciona a coleta de dados do aplicativo. 2021. Disponível em: <https://www.techtudo.com.br/noticias/2021/07/tiktok-e-seguro-entenda-como-funciona-a-coleta-de-dados-do-aplicativo.ghtml>.
UOL NOTÍCIAS. O que é a Guerra Fria 2.0 entre a China e Estados Unidos?. 2020. Disponível em: <https://economia.uol.com.br/colunas/econoweek/2020/07/23/o-que-e-a-guerra-fria-20-entre-china-e-estados-unidos.htm>.