COP 26 e os embargos na conformação de um regime ambiental eficaz
A influência humana nas mudanças climáticas é inegável e está associada ao crescente aumento na temperatura e à intensificação da degradação ambiental. Segundo relatório do IPCC (2021, p. 5), as quatro últimas décadas têm sido sucessivamente mais quentes, se comparadas às suas predecessoras desde o ano de 1850 e, nos últimos 20 anos, a temperatura global foi 0.99°C mais alta do que o período entre 1850 e 1900. Ademais, as ações humanas nocivas estão relacionadas ainda à piora de cenários climáticos extremos, a exemplo do aumento observado em episódios de ondas de calor, chuvas torrenciais e secas (IPCC, 2021, p. 8). Apesar de refletir uma realidade preocupante, os dados não devem ser interpretados com fatalismo, já que a tomada de medidas conjuntas e eficientes contra o avanço da degradação ambiental no presente pode indicar caminhos mais esperançosos para o futuro. Nesse sentido, os ambientes de cooperação internacional são essenciais no processo, visto que possibilitam um espaço de articulação entre governos e representantes da sociedade civil e, através do firmamento de acordos, promovem diretrizes para a tomada de ação. De forma análoga, os regimes internacionais possuem importante papel nesse processo, ainda que enfrentem empecilhos para sua efetividade.
A despeito de sua importância, a causa geradora de regimes internacionais, seu poder de produzir resultados eficientes e as razões pelas quais os atores se sujeitam a eles são objeto de debate na literatura. A partir de uma visão pautada na ótica realista da política internacional, que confere primazia aos interesses egoístas dos Estados e percebe as ações de cooperação como arranjos frágeis e pontuais, Susan Strange entende que “todos aqueles arranjos internacionais dignificados pelo rótulo de ‘regime’ são muito facilmente perturbados quando o equilíbrio do poder ou a percepção de interesse nacional […] mudam entre os estados que os negociam” (1982, p. 487 apud KRASNER, 2012, p. 97). Por outro lado, embora também enfatize o auto-interesse, Keohane se opõe a essa visão e acredita que os regimes “podem ter impacto quando resultados Pareto-ótimos não poderiam ser alcançados por meio de ações individuais não coordenadas” (1982, apud KRASNER, 2012, p. 98). Esse é o caso, por exemplo, da pauta ambiental, a qual se caracteriza pela necessidade de ações coletivas e estruturais que levem em consideração tanto os efeitos globais das mudanças climáticas quanto as especificidades das diversas realidades locais.
Considerando “o auto-interesse egoísta, o poder político, as normas e os princípios difusos, usos e costumes e o conhecimento” (KRASNER, 2012, p. 94) como as principais condicionantes na formação desses arranjos, faz-se necessário pontuar que, no caso dos regime ambiental internacional, é preciso ir além das motivações centradas no interesse próprio. Isso porque benefícios diretos não são facilmente observáveis, sendo importante também considerar a influência de condicionantes como o poder político, os princípios difusos e a relevância do conhecimento científico no firmamento de compromissos coletivos. Prova disso é a relação direta entre a conformação de um regime ambiental e a intensificação dos debates sobre o meio ambiente no cenário internacional em 1972. Tais discussões foram incitadas a partir dos trabalhos do Clube de Roma e da Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente Humano, estando vinculadas às críticas ao modelo de produção e a questões morais – como o dever de conservar o planeta para as gerações futuras. Além disso, dadas suas especificidades, Keohane e Victor (2010, p. 4) caracterizam o regime ambiental como complexo, visto que diversas iniciativas se complementariam sem que houvesse hierarquia ou unidade entre elas.
Dessa maneira, ao longo das últimas cinco décadas, várias iniciativas foram tomadas para conferir maior solidez à cooperação na luta contra o aquecimento global. Nesse sentido, pode-se ressaltar a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (1992) como marco do regime ambiental, haja vista a sua importância na promoção de fóruns anuais de negociações para o debate da questão ambiental com o objetivo de mitigar alguns dos desafios intrínsecos ao regime, os quais dificultam a redução significativa das emissões de poluentes e do desmatamento florestal. Assim, através das Conferências das Partes, avanços significativos foram feitos em direção à proteção ambiental, sendo o Protocolo de Kyoto (1997) e o Acordo de Paris (2015) importantes suplementos aos compromissos estabelecidos em 1992. Isso porque ambos prescrevem novas ações para a redução de emissões de gases poluentes e não só possibilitaram a difusão da temática em diversos setores, como também representaram clamores por um maior nível de comprometimento das nações. A despeito dos avanços, dificuldades para a concretização dos objetivos persistem. Sobre isso, Avelhan (2013, p. 42) ressalta “a presença de um grande número de participantes, ambiente de incerteza, ausência de mecanismos satisfatórios de sanção, problemas de colaboração, problemas de persuasão e de legitimação” como obstáculos para a efetividade desse regime. A questão é ainda agravada pela diversidade de interesses e pelos diferentes níveis de desenvolvimento das nações, chamando atenção para a pluralidade de perspectivas na busca por um meio ambiente equilibrado.
Nesse sentido, faz-se necessário refletir sobre as continuidades e rupturas representadas pelo mais recente fórum internacional sobre a pauta ambiental, realizado entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro. Marcada por avanços modestos, a Conferência das Partes 2021 (COP 26) tratou de aspectos importantes, tais como diretrizes para o mercado de carbono, inclusão de menções específicas sobre o uso de combustíveis fósseis e seus impactos, demanda por energia limpa, metas ambiciosas para a redução do desmatamento até 2030, assim como discussões para oferta de suporte financeiro a programas que ajudem os países subdesenvolvidos no cumprimento dos objetivos acordados. Entretanto, apesar da assinatura de um acordo de ampla aceitação e das manifestações de comprometimento, a Conferência não trouxe medidas satisfatórias para a mitigação do problema. Isso porque, para Worland (2021), tendências vistas em episódios anteriores se repetiram: promessas vagas, compromissos verbais sem poder vinculativo, ausência de um plano detalhado e ações específicas, bem como de mecanismos de fiscalização e accountability. Nesse cenário, os setores organizados da sociedade civil e as coalizões jovens presentes no encontro pressionaram os países por ações práticas que extrapolem as promessas vazias. Dessa forma, na contemporaneidade, percebe-se uma importância cada vez maior de atores não-estatais na demanda por políticas ecológicas concretas e eficazes que levem em consideração aspectos de responsabilização, equidade social e que reflitam, de fato, a urgência do problema.
Autora: Maria Rita Santos Moura
Referências:
AVELHAN, Lívia Liria. CONSTRUÇÃO E ANÁLISE DO REGIME AMBIENTAL INTERNACIONAL. RARI: Revista Acadêmica de Relações Internacionais, Florianópolis, v. 1, n. 3, p. 36-45, jul. 2013. Disponível em: https://rari.ufsc.br/files/2013/07/Artigo-3.pdf. Acesso em: 14 nov. 2021.
IPCC. Summary for Policymakers. In: SUÍÇA. IPCC. Climate Change 2021: the physical science basis. Genebra: Cambridge University Press, 2021. p. 1-40. Contribution of Working Group I to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Disponível em: http://www.ipcc.ch/. Acesso em: 19 nov. 2021.
IPCC, 2021: Summary for Policymakers. In: Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [MassonDelmotte, V., P. Zhai, A. Pirani, S.L. Connors, C. Péan, S. Berger, N. Caud, Y. Chen, L. Goldfarb, M.I. Gomis, M. Huang, K. Leitzell, E. Lonnoy, J.B.R. Matthews, T.K. Maycock, T. Waterfield, O. Yelekçi, R. Yu, and B. Zhou (eds.)]. Cambridge University Press. In Press.
JUSTIN WORLAND (Glasgow). TIME. COP26 Ends With Nobody Really Happy. Disponível em: https://time.com/6117499/cop26-final-agreement/. Acesso em: 15 nov. 2021.
KEOHANE, Robert; VICTOR, David. The Regime Complex for Climate Change. Discussion Paper 10-33. Cambridge: Harvard Project on International Climate Agreements, p. 1-30, jan. 2010.
KRASNER, Stephen. Causas estruturais e consequências dos Regimes Internacionais: Regimes como variáveis intervenientes. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 42, jun 2012, p. 93-110.