Brasil, desindustrialização e autonomia
A economia brasileira, que já esteve entre as cinco mais proeminentes do mundo, hoje enfrenta importantes desafios estruturais. A crise gerada pela pandemia, associada ao desemprego e à inflação têm trazido à tona importantes debates sobre o modelo de desenvolvimento brasileiro e a razão socioeconômica de produção. Dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), revelam que em julho de 2021 o desemprego atingia 14,4 milhões de pessoas. Somado a isso, ainda observa-se a crise social e sanitária revelada pela pandemia de covid-19 no último ano. São 19,1 milhões de pessoas enfrentando a chaga da fome, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).
Um outro aspecto sintomático diz respeito ao próprio desempenho da economia brasileira, que enfrenta nesse momento um dos momentos mais drásticos de desindustrialização. O CEDE – Centro de Estudos de Desenvolvimento Econômico associado ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP), chama atenção através de texto de Luís Nassif, para a importância de observar o que se chama de “vôo da galinha”, período de crescimento tortuoso da economia brasileira, que se caracteriza pela abertura comercial, valorização do câmbio, juros altos e aumento de importações.
Esse modelo de crescimento leva à ilusão de desenvolvimento no curto prazo, mas é contraditório, pois rompe com a principal conceituação proposta pelo desenvolvimentismo, escola de pensamento econômico predominante no Brasil, especialmente no governo Lula. Bresser-Pereira (2010) chama atenção para a necessidade de conversão dos montantes advindos da entrada do fluxo de capitais estrangeiros em investimentos de base na economia, que não acontecem no longo prazo. O autor revela que isso não se concretiza por conta de fatores tais quais: a ascensão da teoria neoliberal na academia brasileira e no campo político, bem como o sucesso da estratégia estadunidense em treinar pensadores ao modo norte-americano, através dos programas de pós-graduação.
O fato é que, apesar das contestações e competições teóricas, o boom de crescimento e consumo na economia brasileira não foram duradouros nem suficientes para conter o amontoado de crises que seguem a partir de 2018. Segundo a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), as exportações de carne bovina do Brasil para a China tiveram uma queda de 43% no último mês de outubro em relação ao mesmo mês no ano passado. Somam-se a esta conjuntura o número de empresas fechadas recentemente no país. Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a pandemia provocou o fechamento de mais de 100 mil estabelecimentos. Na lista de empresas que abandonaram o mercado brasileiro incluem-se as gigantes multinacionais: Sony, Ford, Audi e Mercedes, responsáveis por milhares de postos de trabalho.
Os números sugerem, portanto, uma conjuntura delicada para a economia brasileira, uma vez que a aposta em desenvolvimento a longo prazo têm sinais de fraqueza, com a desindustrialização, e a aposta nos commodities, ainda que representasse um porto seguro, também apresenta sinais de instabilidade. O panorama que parece delicado chama a necessidade para um processo urgente no Brasil: o repensar das estruturas econômicas e do modelo de inserção internacional da economia brasileira comprometida com aspectos de desenvolvimento, sustentabilidade e responsabilidade social.
Autor: Heitor Torres
REFERÊNCIAS
BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Do antigo ao novo desenvolvimentismo na América Latina. Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, 2010. Disponível para leitura em: <http://www.bresserpereira.org.br/papers/2010/10.01.Do_velho_novo_desenvolvimentismo.CCF.pdf> acesso em novembro de 2021.
G1, Com embargo da China, exportação de carne bovina cai 43% em outubro. 09/11/2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2021/11/09/com-embargo-da-china-exportacao-de-carne-bovina-cai-43percent-em-outubro.ghtml> acesso em novembro de 2021.
ISTOÉ, Eudes Lima, A fuga das multinacionais. 12/03/2021. Disponível em: <https://istoe.com.br/a-fuga-das-multinacionais/> acesso em novembro de 2021.
UNICAMP, Centro de Estudos do Desenvolvimento Econômico, Desindustrialização no Brasil é real e estrutural. Disponível em: <https://www3.eco.unicamp.br/cede/centro/146-destaque/508-desindustrializacao-no-brasil-e-real-e-estrutural> acesso em novembro de 2021.
JORNAL DA USP, Processo de desindustrialização no Brasil se acentua. 04/03/2021. Disponível em: <https://jornal.usp.br/atualidades/processo-de-desindustrializacao-no-brasil-se-acentua/> acesso em novembro de 2021.
BROADCAST, Pandemia levou ao fechamento de 135 mil lojas no país, diz Cnc. 25/08/2020. Disponível em: <http://broadcast.com.br/cadernos/financeiro/?id=dTUrV0hrSFhvTWlUbXRNL1ZVcUVpdz09> acesso em novembro de 2021.
CNN, Fome avança e atinge 19,1 milhões de brasileiros. 05/10/2021. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/fome-avanca-e-atinge-mais-9-milhoes-de-brasileiros-nos-ultimos-dois-anos/> acesso em novembro de 2021.