CAMPEONATO MUNDIAL DE LOL: RELAÇÃO ENTRE TORCIDA E NACIONALIDADE
Nos últimos anos, os torneios competitivos de jogos eletrônicos, ou eSports, têm ganhado destaque. As competições são diversas e estão presentes no mundo inteiro e, assim como esportes tradicionais, suas dinâmicas envolvem times, patrocinadores, prêmios em dinheiro e cada vez mais pessoas acompanhando os eventos, compondo torcidas intensas e apaixonadas. Um dos jogos eletrônicos mais populares no mundo hoje, e também o que tem um dos maiores campeonatos mundiais, é o League of Legends (LoL), que é um jogo do tipo Multiplayer Online Battle Arena (MOBA), uma categoria de jogos em equipe que reúnem ação, estratégia e RPG, na qual duas equipes com cinco jogadores cada duelam entre si até destruir a base adversária.
Em comparação com o futebol, da mesma maneira que existe a Copa do Mundo, promovida pela Federação Internacional de Futebol (FIFA) – na qual as pessoas tendem a apoiar e torcer pelos times dos seus países de origem, aflorando sentimentos de pertencimento e nacionalismo -, existe também o Campeonato Mundial de League of Legends, promovido pela Riot Games, empresa responsável pelo jogo, que acontece anualmente desde 2011. A configuração deste evento, no entanto, difere daqueles de esportes tradicionais, pois a Riot divide os times não em seleções individuais de países, mas sim de acordo com os servidores em que os times se encontram, com times representando mais de um país. Desta maneira, Simone Ho (2018) tenta entender de que forma se manifestam os sentimentos de nacionalismo evocados pelas torcidas. Para isso, primeiro precisamos recorrer aos conceitos de nação e nacionalismo.
Há diferentes discussões e conceitos para os termos, bem como há uma série de componentes para que possam ser caracterizados. Para Gellner, por exemplo, as nações são fruto de sociedades industrializadas, nas quais a cultura e a língua compartilhada as caracterizam, portanto, uma nação existe sob uma cultura em comum (LOPES, 2018). Nessa perspectiva, as ideais de Hobsbawm se alinham as de Gellner, tanto a respeito do caráter industrial quanto da defesa de que o nacionalismo precede as nações, considerando que estas são forjadas a partir de sentimentos nacionalistas e do compartilhamento de critérios etnolinguísticos (LOPES, 2018).
Ainda discutindo o que compõe uma nação, Benedict Anderson sustenta que as nações são imaginadas em volta de uma consciência nacional, no sentido de que o que atrela pessoas de uma mesma nação umas às outras, considerando que é impossível que todos se encontrem, é a coexistência no mesmo espaço (LOPES, 2018). E, para Anderson, a língua exerce o papel de dar ciência desta coexistência a todos que não podem se encontrar, através de jornais e mídias diversas, relatando os acontecimentos e atestando que estão todos de fato dividindo o mesmo espaço ao mesmo tempo (LOPES, 2018). Portanto, para além da importância linguística na definição de nações, uma nação não é necessariamente construída através de tradições históricas, mas imaginada por pessoas que compartilham vivências similares, ou seja, que frequentaram o mesmo tipo de escola, que ouviram o mesmo tipo de música, que compartilharam, dessa maneira, do mesmo espectro cultural.
Nesse sentido, nações não estão precisamente contidas nas fronteiras do mapa-múndi, podendo perfeitamente perpassá-las. E é esta conclusão que nos ajuda a pensar sobre os moldes de nação que a Riot montou para os seus campeonatos mundiais. De modo que os servidores que compõem o campeonato podem ser pensados como comunidades imaginadas, pois existe uma troca cultural entre os jogadores de cada região, que compartilham experiências semelhantes dentro do mesmo servidor (HO, 2018). Isso porque os servidores que definem representantes no mundial, geralmente englobam grandes regiões, por exemplo a Europa Ocidental inteira está concentrada em um único servidor e tem direito a dois times representantes.
Então acontecem campeonatos internos e os times vencedores representam suas regiões. Portanto, no mundial não existe um time alemão ou português, mas sim times que representam regiões. Existem ainda algumas exceções, como é o caso do Brasil, China e Coréia do Sul, que possuem servidores exclusivos, com seus times representando unicamente seus países.
Nessas configurações, Ho (2018) constatou, através de questionários conduzidos entre jogadores de LoL de diferentes regiões, que dentro do servidor chinês e do coreano, é muito mais fácil transmitir os sentimentos de nacionalismo, pois o time representa apenas um país. No entanto, o fator principal aqui se mostrou ser a língua, pois os questionários revelaram também que é muito mais recorrente que os torcedores migrem seu apoio para times de mesmo idioma, mesmo que não sendo do mesmo país de origem, reforçando que o sentimento de nacionalismo pode perpassar, em algum nível, os territórios, bem como a língua como fator principal.
De outro lado, para aqueles em servidores agrupados, tidos aqui como essas novas comunidades imaginadas, é mais comum que quando não existam times de sua nacionalidade concorrendo, estes transfiram suas torcidas para times mais fortes, geralmente os times coreanos. Além disso, constatou-se também, nestes servidores, que diversos torcedores eram fãs não de times, mas sim de atletas específicos, torcendo para qualquer time que seu ídolo estivesse. Mas mais interessante que isso é a percepção de que este fator também reverbera na composição dos atletas destes times, considerando que em 2018 todos os times dos servidores da Europa Ocidental e da América do Norte já haviam tido jogadores coreanos, então a formação dos times também não leva nacionalidade em consideração.
Estas informações atestam a dificuldade de entusiastas do jogo de torcerem para times que não são de seu país de origem, mas no sentido de que a reconfiguração que a Riot fez alterou os sentimentos de nacionalismo, fazendo com que estes não tenham o mesmo peso em seu campeonato mundial, bem como alterando as dinâmicas usuais em esportes tradicionais.
Autor: Igor Batista
REFERÊNCIAS:
HO, Simone. Nationalism in a Virtual World: A League of Legends Case Study. Dissertação (Mestrado em East Asian Studies) – Faculty of Humanities, Universiteit Leiden, Leiden, 2018.
LOPES, Marina Carvalho. Nação e Nacionalismo: uma revisão bibliográfica. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Relações Internacionais) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2018.
Principais competições de eSports no mundo. S.O.S., 2017. Disponível em: <https://www.sos.com.br/noticias/games/principais-competicoes-de-esports-no-mundo>. Acesso em: 24 out. 2021.
POVOLERI, Bruno. MOBA: o que é, características e games de sucesso. The Enemy, 2021. Disponível em: <https://www.theenemy.com.br/esports/moba-o-que-e-caracteristicas-e-principais-jogos-lol-dota>. Acesso em: 24 out. 2021.